É indispensável se colocar sempre como um “eterno aprendiz”
Entrevista do Prof. Raimundo Palhano, Diretor Acadêmico da EFG-MA, para o jornal do Conselho Regional de Economia-CORECON, 1a edição, fevereiro de 2010.
Como economista, qual é a sua visão do Brasil de hoje?
Vejo o Brasil como um país dotado de enormes potencialidades para se tornar um líder regional e internacional nos próximos anos, já visíveis hoje, graças ao carisma do Presidente Lula e aos acertos das políticas macroeconômica e de desenvolvimento social.
Claro que o país reúne um volume grande de desafios, principalmente relacionados ao enfrentamento da pobreza, do atraso político, da crise institucional e das questões das desigualdades sociais. O futuro do país dependerá da superação desses obstáculos estruturais. Apesar das crises internas e dos erros da política e dos políticos, julgo que o povo brasileiro vencerá essa batalha, sobretudo porque não há mais hegemonia cultural e política no mundo em que vivemos.
Somos claramente uma cultura peculiar, vista, inclusive, por setores da intelectualidade européia, como portadora de um mundo alternativo, humanizado e criador.
Podemos acreditar que as estratégias e políticas econômicas adotadas nos últimos anos vão alavancar de fato o desenvolvimento do país, com a superação dos indicadores negativos?
Sim, claro. Precisam continuar evoluindo para melhor. A estratégia para isso resume-se em combinar crescimento econômico em geral com a dinamização das economias regionais e locais, sendo, ao mesmo tempo, capazes de assegurar uma maior equidade social.
O traço mais característico do desenvolvimento econômico brasileiro é a produção de assimetrias no tecido social. A economia cresce e os benefícios não chegam ou não fortalecem a qualidade de vida de grandes parcelas da população.
Só agora temos uma política social que, embora incipiente, está influindo na melhoria da distribuição de renda para os pobres, resumida nos efeitos do programa Bolsa Família. Para superarmos os indicadores negativos do país precisamos desenvolver a Amazônia, o Nordeste, as periferias dos centros urbanos. Ao lado de políticas públicas verdadeiramente eficazes, sobretudo na criação de infra-estruturas básicas, lastreadas em uma política educacional de qualidade efetiva para as camadas populares de todas as regiões do território nacional.
Quanto ao Maranhão, que Agenda o Estado deve cumprir neste momento para garantir um desenvolvimento includente e sustentável para suas atuais e futuras gerações?
O maior desafio para o desenvolvimento do Maranhão é superar o atraso político e o descompromisso público de boa parte das elites que comandam o Estado. O poder político aqui tem características únicas. Sua força é tamanha que a governabilidade nacional dela não pode prescindir. Nossa história é feita de negações dos direitos humanos e muitas apropriações indébitas do erário público. Por mais hábil e inteligente que seja a engenharia política dos governantes, é impossível garantir o desenvolvimento includente e sustentável para as atuais e futuras gerações nos marcos e na lógica desse sistema político. A solução aponta para uma reforma radical e profunda da política estadual e dos métodos tradicionais utilizados pelos que dirigem o Estado.
O outro grande desafio maranhense é desenvolver suas várias pequenas economias. Somos um Estado no qual os municípios praticamente não têm economias próprias e estão resignados a essa condição. Dependem quase inteiramente das aposentadorias e pensões previdenciárias e das transferências da União e pouco fazem (seja por conveniência política ou despreparo técnico) para romper esse círculo vicioso. Os governantes defendem a ideia de que desenvolvimento só é possível com fartos estímulos aos grandes projetos nacionais e internacionais que aqui se instalam, principalmente em razão das vantagens infraestruturais, sobretudo viárias e portuárias e das benesses fiscais. Relegaram a um segundo plano o desenvolvimento endógeno das forças produtivas maranhenses. Apesar de absorverem a maior parte da mão-de-obra ocupada e terem peso expressivo no produto interno. O preço pago por essa dura realidade é um PIB per capita dos menores e dos mais baixos do país. Esses governos jamais conseguiram promover o desenvolvimento equitativo e sustentável. Pelo contrário. Reforçaram a tendência histórica de crescimento econômico concentrado e centralizado.
A saída será o fortalecimento da democracia e dos governos locais e a dinamização das economias dos territórios, oportunizando a evolução das cadeias produtivas e da infraestrutura básica, no que propiciarão oportunidades para o desenvolvimento das micro e pequenas empresas ali sediadas. O Maranhão, no século XIX, chegou a ser uma das mais importantes províncias do Brasil, tendo sua capital como a quarta mais importante, só perdendo para Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Por ter uma elite com mentalidade alienada, atrasada e sem projeto cultural próprio, acreditava que a solução residia no transplante da cultura metropolitana européia. É fácil compreender assim porque chegamos cedo à estagnação e à decadência.
A efetividade de uma agenda estratégica para o desenvolvimento sustentável do Maranhão, de forma resumida, dependerá do investimento em uma nova cultura de mudança, prioritariamente voltada às gerações mais jovens; da reinvenção do planejamento público estatal, hoje incapaz de planejar com autonomia o desenvolvimento sustentável, por se manter vinculado aos interesses políticos imediatos do poder executivo; e da dinamização das economias endógenas, que pouco conseguem agregar valor aos seus produtos. Tão importantes quanto os grandes projetos do novo ciclo de investimentos, a começar pela futura Refinaria Premium, serão os projetos que elevem a capacidade de agregação de valores aos bens e serviços produzidos pela economia endógena, a começar pela dinamização das economias dos povoados, vilarejos e distritos.
Na sua avaliação, como tem sido o aproveitamento do conhecimento técnico do economista nos debates, planejamento e formulação das políticas no país?
No plano nacional os economistas sempre tiveram um peso muito grande em matéria de estratégias para o desenvolvimento brasileiro, além de forte presença no planejamento e na gestão governamental. Predominam as correntes conservadoras e liberais, sempre vinculadas aos centros hegemônicos do capitalismo internacional. Produzimos também um pensamento econômico mais à esquerda e nacionalista que, em determinadas conjunturas, tiveram peso relativo. Além disso, o pensamento econômico brasileiro tem prestígio na América Latina e mesmo no mundo, graças a alguns centros de formação localizados principalmente no centro-sul, com destaque para as instituições sediadas nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
Onde o economista, enquanto profissional de formação humanística, encontraria melhor campo de realização profissional no setor público, na área empresarial ou no chamado terceiro setor?
Tenho dúvidas se as nossas escolas de Economia primam verdadeiramente pela formação humanística desses profissionais. Penso que em sua grande maioria passam a idéia de que se trata de uma ciência exata. A permanência dessa perspectiva tem contribuído para a atual crise de identidade da carreira.
Confunde-se, em muitos casos, ciência com ideologia e alguns Cursos acabam se transformando em aparelhos ideológicos descontextualizados. Concordo com Fábio Comparato quando diz que a economia, como o direito e a política, é uma sabedoria de decisões. É uma tomada de decisões que requer sabedoria técnica, científica e conteúdo cultural.
Minha experiência pessoal até agora foi majoritariamente no setor público e no terceiro setor. Ambos são fascinantes como campos de atuação do economista. Para se sair bem em qualquer das três áreas é preciso competência, criatividade e abertura aos desafios de uma sociedade em mutação. E sempre manter os olhos atentos às oportunidades que surgirem.
E a formação dos novos economistas tem acompanhado as exigências da realidade brasileira?
Ultimamente não tenho acompanhado de perto essa questão. Durante o longo período em que estive inserido, eram poucos os centros de formação de economistas que focavam seus conteúdos curriculares e programas correspondentes na realidade do país, das regiões e dos Estados. Em sua maioria os cursos estavam pautados em correntes teóricas, metodológicas e de pensamento referidas aos países centrais do capitalismo hegemônico.
Aqui está outro fator que explica a crise de identidade da carreira. Estudava-se muita teoria, fazia-se da cátedra um púlpito ideológico para veicular duvidosas verdades e quase nada de prático era feito. O resultado de tudo isso era uma profissional com precária formação intelectual própria e despojado das ferramentas indispensáveis ao exercício profissional no mercado de trabalho. Pelo que tenho visto, acho que esse quadro vem mudando, mas muito lentamente, claro, com as devidas exceções. Em nosso Estado percebo que precisamos enfrentar esse problema.
Sim, temos professores e professoras talentosos e competentes, todavia parece que não conseguem ultrapassar esse viés histórico. Ainda hoje muitos economistas explicam a realidade maranhense a partir de supostos “modelos” assépticos e acreditam numa bobagem metodológica chamada “ceteris paribus”, que explica os fenômenos econômicos isoladamente, sem considerar os efeitos dos outros fatores sociais.
Qual a sua recomendação aos jovens economistas para que possam ser bem sucedidos profissionalmente?
Colocar a ética acima dos interesses particulares e dos vínculos políticos e se colocar na sociedade como um cidadão comprometido com o bem comum do povo. O passo seguinte é não negligenciar no seu aperfeiçoamento técnico, científico e cultural.
Mediocridade não combina com o exercício da profissão de economista, assim como de qualquer outra profissão. Para que isso ocorra é indispensável se colocar sempre como um “eterno aprendiz”.
Por fim, uma opinião sobre a importância do CORECON-MA.
Orgulho-me de ter sido um dos fundadores do Conselho. Uma fase de minha vida foi dedicada a este movimento, do qual tenho gratíssimas recordações. Na gestão de Raimundo Rocha Junior recebi inclusive o honroso título de Economista do Ano. Reconheço em Dilma Pinheiro uma dirigente de valor, ativa e realizadora. Cursino e seu grupo são quadros importantes. Reúne assim todas as condições intelectuais e materiais para contribuir no enfrentamento da encruzilhada histórica em que o Maranhão se encontra.
O Conselho será mais importante ainda se se fizer presente no enfrentamento dos desafios do desenvolvimento econômico maranhense. O CORECON, juntamente com as escolas de Economia, hoje resumidas a um pequeno número, têm o dever ético, cívico e intelectual de fomentar uma cosmovisão dos problemas maranhenses que supere o lugar das explicações consagradas, plenamente utilizadas pelas camadas dirigentes do Estado ontem e hoje, ou mesmo “amanhã” (se cruzarmos os braços), em favor da continuidade dos seus projetos de dominação política.
É preciso confrontar a razão patrimonialista que emana dessas camadas e que mantêm o Maranhão prisioneiro de uma ficção histórica e política. Se não nos unirmos nessa direção vamos continuar assistindo de camarote a esta ópera tragicômica que nos ilude por décadas. Agindo assim poderemos contribuir para tornar mais efetivo o controle social sobre o Estado e suas políticas públicas. Era essa a visão que tínhamos, há trinta anos atrás, nós do movimento de renovação dos economistas, para justificarmos a existência de um Conselho de Economia para o Maranhão. Visão esta que certamente não foi esquecida pelos atuais dirigentes do Conselho.
Por último, creio que o Conselho deveria se fazer mais presente no cotidiano do economista maranhense, mais próximo dos seus dilemas e desafios profissionais.